Irene, a Teimosa (Gregory LaCava, 1936)

Escrito por Peter Bogdanovich. Tradução livre. Clique aqui para ler o original.

O nome para aquele que é provavelmente meu gênero favorito, screwball comedy – essencialmente farsa romântica – foi cunhado, parece, a partir de uma original resenha da Variety sobre a performance atordoada de Carole Lombard na completamente prazerosa comédia da era da Depressão, dirigida com savoir faire por Gregory LaCava, My Man Godfrey. Disse a crítica, precisamente: “Lombard fez damas excêntricas outras vezes, mas nenhuma tão esquisita como esta aqui.” Dois anos antes, Howard Hawks iniciou Lombard como uma amalucada comediante, ao lado de John Barrymore, no clássico de bastidores, Twentieth Century, mas em My Man Godfrey ela definitivamente se imortalizou como a deslumbrante rainha da impulsividade.

Interpretando a filha mais nova de uma rica, excêntrica família do East Side, Lombard zarpa em uma caça ao tesouro no Park Avenue, tentando se sair melhor que sua sinistra irmã mais velha (Garil Patrick) e também sua mãe tão lunática quanto (Alice Brady) em trazer o mais difícil tesouro requerido, um real “forgotten man”, termo dos anos 1930 usado para designar um desabrigado sem qualquer meio de sobrevivência. O repulsivo sarcasmo das pessoas ricas brincando com os pobres não é esquecido em LaCava, e os aspectos sociais mais obscuros dessa frequentemente satírica e arguta obra nunca são totalmente perdidos de vista.

O mendigo que Lombard leva para casa é feito com elegância, uma dignidade encantadora por William Powell (quem, mais cedo nessa mesma década, foi casado com Lombard por dois anos) e tanto ele como sua ex-esposa receberam indicações ao Oscar por melhor ator e atriz. O enredo simples – adaptado astutamente por Marrie Ryskind do romance de Eric Hatch (roteiro também indicado) – é que Lombard convence seu pai há muito tempo sofredor (Eugene Pallette em uma arquetípica performance ‘basso profundo’) a contratar Godfrey (Powell) como seu mordomo, sobretudo porque ela tem quedas precoces por ele, daí a tripla-ambigüidade do título: prêmio, servente, amante. Godfrey, claro, faz mais do que seu trabalho e ensina à família inteira algumas lições básicas sobre a vida, antes de uma ligeira fuga de compromisso revelar que ele não é exatamente um vagabundo no final das contas.

A sub-trama mais deliciosa tem a ver com o relacionamento entre a mãe (uma interpretação hilária de Alice Brady, que recebeu uma indicação da Academia por melhor atriz coadjuvante) e o gigolô “aculturado” dela, um pianista-artista-charlatão (o excessivamente engraçado Mischa Auer, que também foi nomeado a melhor ator coadjuvante); suas birras e postura afetada estão entre as melhores coisas do filme. Evidentemente, a direção impecável de LaCava (também reconhecida com uma indicação ao Oscar) mantém tudo no tempo exato, com uma discreta neutralidade que faz tudo ser mais sofisticado e ressonante. Nada surpreendente vindo deste diretor subestimado que fez o melhor filme mudo de W. C. Fields, So’s Your Old Man (1926), assim como uma soberba comédia dramática do showbusiness chamada Stage Door (1937), dentre outros estimados, queridos trabalhos através dos anos 20 e 30.

Mas é a energia maluca, tocante de Lombard e sua joie de vivre aqui aos 28 anos que dão a My Man Godfrey a impressão mais indelével. Ter sido morta em um acidente de avião apenas seis anos depois – no auge da sua carreira, tendo acabado de filmar a comédia clássica anti-Nazi de Ernest Lubitsch, To Be Or Not To Be (1942) – continua difícil de aceitar, dando toda amargura àquela velha frase sobre os bons morrendo cedo.