Da sexta à décima posição.
6) J. Edgar (Idem; Clint Eastwood)
Mesmo aqueles que desaprovaram o último trabalho de Clint Eastwood hão de admitir que, ao contrário de muitos outros filmecos biográficos que vemos por aí, merecem destaque a personalidade e coragem do diretor na criação da biografia obviamente não autorizada de uma figura emblemática como J. Edgar Hoover.
Abordar o lado humano do personagem, dando destaque a uma parte (arbitrariamente escolhida) de sua dimensão psicológica, é algo que poucos hoje saberiam fazer, porque há pouquíssimos cineastas tão sensíveis quanto Clint. Discutir ou não se a homossexualidade, a influência materna e o fascínio pelo poder necessariamente estão relacionados cabe a psicólogos ou pesquisadores – o fato é que, aqui, eles estão intricados, simplesmente porque foi essa a opção escolhida, afinal de contas, autor é também manipulador.
Manipulador. Mas não um sensacionalista. Clint Eastwood, o diretor mais clássico em atividade, não precisa disso. É triste que muitos dos detratores de J. Edgar tenham escolhido atacar a veracidade do texto – é filme ou documentário? – ou até mesmo detalhes técnicos (sim, a maquiagem é péssima, mas transformar isso numa espécie de estupro visual é um exagero tão deselegante quanto) para diminuir a obra. A verdade é que se Clint Eastwood quisesse, poderia fazer um filme muito mais “premiável” – não o quis, a começar pela escolha de um roteirista famoso por histórias de homossexuais. O resultado, porém, para desgosto de muitos, foi de um filme grande e pequeno ao mesmo tempo, se é que vocês me entendem.
7) Os descendentes (The descendants; Alexander Payne)
Confesso que foi um pouco decepcionante constatar que, em geral, as pessoas cuja opinião me importa não gostaram do filme de Alexander Payne. Dentre outros motivos, consideraram-no raso, superficial. Eu consigo entender a divergência mas, ao contrário, senti que Os descendentes só é simples na sua superfície. Também é muito mais honesto do que filmes artificiais que fizeram sucesso, como O Artista.
A leveza da imagem (os personagens, suas roupas, as localizações) e da trilha sonora permite que adentremos na história sem muitas dificuldades, como se fosse um “conto de verão” – com a diferença de as situações envolverem temas pesados, tais quais a falência familiar e a morte. George Clooney, apesar de ser o maior garanhão de Hollywood, me pareceu verossímil no seu papel – dá pra acreditar que ele, se não fosse um astro de cinema, poderia ser mais ou menos daquele jeito. E tem também uma nova musinha chamada Shailene Woodley.
8) A pele que habito (La piel que habito; Pedro Almodovar)
De todas as sessões desta lista, A pele que habito foi a mais remota. Então, não lembro de muita coisa, devo confessar. O que eu sei é que, apesar de em determinado momento ter ficado com um pé atrás no rumo que a história estava tomando (parecia um pouco forçada), o desfecho mostrou que as intenções de Pedro Almodóvar eram na verdade mais frescas e se adequaram exatamente a uma trama que mistura noir, terror e humor negro.
Antonio Banderas está ótimo como o mad doctor, assim como Elena Anaya encarnando a heroína – e Marisa Paredes como a observadora que sabe de tudo. É bem verdade que as cenas de tortura me pareceram bobas e desnecessárias (como são em geral as cenas de tortura no cinema), no entanto, apesar de certa irregularidade, é um filme que envolve e, em alguns momentos, chega mesmo a hipnotizar. Almodóvar também sabe como poucos criar uma ambientação, uma atmosfera – o fato de, assim como Hawks, utilizar performances musicais “ao vivo” contribui muito para isso e expõe uma naturalidade, um senso de vida e beleza na simplicidade rara há muito no cinema.
9) Um método perigoso (A dangerous method; David Cronenberg)
Estava imaginando que David Cronenberg teria êxito se conseguisse dialogar com aquela (maior) parcela do público cujo conhecimento de psicologia é naturalmente escasso. Do ponto de vista de um leigo, creio que Um método perigoso acabou sendo um filme bem acessível – é claro que os estudiosos da psicologia aproveitaram muito mais a sessão, porém, o que importa verdadeiramente é que o filme não pertence a eles. No entanto, não é a sua razoabilidade que faz com que ele seja bom, mas sim a capacidade de contar uma história intensa, levada adiante por personalidades diferentes com interesses em comum, porém, no final das contas, conflitantes.
O choque de pontos de vista, mostra o filme, é inevitável e fundamental para o desenvolvimento do conhecimento humano. E, como há sempre um aspecto pessoal, a direção que um ou outro pesquisador vai tomar está diretamente ligada a suas experiências, pré-conceitos, intuição, etc. É sobre a impossibilidade de separar a realidade da subjetividade que, em minha opinião, trata o filme – no caso do estudo de uma ciência ainda nova, como a psicologia, isso é ainda mais verdadeiro. A relação humana também é crucial: o distanciamento entre Freud e Jung foi apenas por divergências intelectuais ou “pequenos” acontecimentos e preconceitos também os levara à ruptura?
Interessante que, ao menos aparentemente, se há um “herói” aqui, trata-se de Jung, que não aceita ficar preso aos paradigmas criados por Freud e deseja expandir a complexidade da mente humana – no entanto, o próprio Cronenberg, cujo tema da obsessão sexual é recorrente na sua filmografia, parece muito mais alinhado ao pensamento de Freud. Talvez ele simpatize com Jung, mas não consiga acreditar realmente nas suas teses. Talvez, por outro lado, a personagem de Sabina Spielrein, que ficou mais ou menos entre os dois, represente a alma do filme. Ou talvez eu não tenha compreendido mesmo muita coisa. Não importa: Um método perigoso pode não ser obra de grandes imagens, ao contrário, é típico filme de atores, quase teatral, mas nessa sua proposta é mais profundo do que pode aparentar à primeira vista, especialmente nos seus detalhes.
10) Habemus papam (Idem; Nanni Moretti):
Tinha a sensação de que Habemus papam seria uma comédia mais escrachada sobre os rumos atuais da Igreja Católica. Não é bem assim. O sarcasmo existe, no entanto o filme de Nanni Moretti é mais sério do que parecia inicialmente. É sobre a eleição inesperada de um papa (interpretado pelo grande Michel Piccoli) que, em crise de personalidade, surta completamente e se recusa a aparecer para os fieis – a história fica centrada na sua “terapia” pessoal, de autoconhecimento, cujas lacunas ficam escancaradas diante da imensa responsabilidade do novo cargo.
É engraçado como, diante das restrições temáticas, o psicanalista interpretado pelo próprio Moretti não pode realizar a sessão pela qual é chamado no Vaticano – como resultado, a questão fica restrita à escolha do papa em ter sido um homem de Deus e não, como era sua vontade genuína, um ator de teatro. É sobre a manipulação das aparências que o filme também trata. E uma das suas críticas, talvez a principal, tem a ver com esse distanciamento da Igreja, essa não consideração do indivíduo, rico em si mesmo, tendo como resultado uma instituição presa a dogmas, cada vez mais distante da realidade e dos anseios da vida real.
Bônus:
– Guilty pleasure do ano:
– Patético do ano:
– Decepção do ano: