La nuit américaine mostra como a produção de um filme é, ela mesma, um filme à parte, cujo acesso é restrito: apenas a equipe técnica, produtores e os atores (incluindo aí, às vezes, dublês e figurantes) têm a visão privilegiada do que acontece por trás das câmeras, nos bastidores e nas entrelinhas: os encontros, as intrigas e traições, os momentos de amizade, as disputas de ego, as dificuldades que surgem no meio do caminho – daí que, independentemente do resultado final, esse processo prova como não existe a possibilidade de se criar algo sem a presença de vida.
Há bastante vida em La nuit américaine. O grande trunfo do filme é justamente transportar esse elemento fundamental ao público com leveza, sem se levar muito a sério, mostrando que ali não estão pessoas de outro mundo, intelectuais revolucionários ou intérpretes brilhantes, mas seres humanos, com defeitos e qualidades. E, nesse processo de metalinguagem, a mensagem mais importante do filme é justamente mostrar como o cinema, produto essencialmente coletivo e por isso mesmo ainda mais humano, é por natureza uma arte popular, cuja conquista principal é ser contemplado pelo maior número possível de pessoas, independentemente de suas posições sociais, justamente para provocar o máximo de reações, interpretações e sentimentos.
Claro que, como processo de produção, existe todo um complexo de situações e interesses que interferem no alcance do cinema – ou de qualquer manifestação artística – mas não é esse o tema de La nuit américaine, afastando-se, por exemplo, de um filme genial como Assim estava escrito [The bad and the beautiful, 1952]. São as relações dos bastidores que roubam a cena – a atriz veterana com problemas de álcool, o jovem ator fanático por filmes que vive em uma realidade idealizada, o galã envelhecido que, para surpresa de todos (sem existir aí qualquer debate mais aprofundado, justamente para mostrar a naturalidade da coisa) se assume homossexual, a estrela inglesa que está passando por uma crise psicológica, além das figuras do suporte técnico, como a estagiária que não se satisfaz em manter apenas um relacionamento, a tímida maquiadora e a roteirista fundamental para o processo criativo; além da figura central, que praticamente dá a última palavra em relação a tudo, o próprio diretor de cinema, objeto de culto na cinefilia, auto-interpretado por François Truffaut.
Os dramas pessoais dividem a narrativa com os momentos mais divertidos possíveis, como a seqüência em que a atriz veterana repete a mesma cena consecutivas vezes porque não consegue abrir a porta correta ou quando a equipe espera, com paciência e quase desespero, pela “atuação” correta de um gatinho que não quer beber o leite programado – quando, enfim, dá tudo certo, a comemoração é geral e, aquilo que parecia ser absolutamente banal, ganha outros contornos inesperados, justamente por se escancarar esse fator humano que faz parte da produção do cinema e que é cada vez mais ignorado, especialmente nestes tempos insensíveis a qualquer tipo de expressão menos massificada.
La nuit américaine também serve como parâmetro para os tempos atuais. Faz nos lembrar como os filmes de hoje são tão industrializados e apáticos, o que leva a crer que até mesmo os bastidores estejam em situação parecida. Além do mais (o que é mais grave e relevante) obriga uma análise – não inédita mas talvez mais intensa – ao nosso redor: quantas pessoas sentem os filmes? Por que nossos conhecidos não se interessam por nada em especial, além do que está posto em mesa (o que espanta dado o alcance revolucionário que a internet possibilita)? Quais são os objetivos das pessoas além de se dar bem e fazer dinheiro? Enfim, um filme como La nuit américaine, além de divertidíssimo e cheio de vida, oferece várias discussões, todas elas tendo como ponto de partida um fato que une todos os personagens, os seus intérpretes, os técnicos e os cinéfilos: o amor pelo cinema.