Carta De Uma Desconhecida (Max Ophüls, 1948)

Desejos proibidos [Madame de… , 1953], O Prazer [Le Plaisir, 1952] e Lola Montès [Idem, 1955] geralmente são lembrados como os filmes em que Max Ophüls demonstrou mais o seu talento, com todos aqueles extraordinários e vivos jogos de câmera, os travellings absurdos a acompanhar a narrativa e a peculiar elegância do diretor em abordar os temas que lhe são mais caros. Mas, por enquanto, na minha modesta opinião, seu grande filme é Letter from an unknown woman, apesar de não ser exatamente a direção o maior destaque aqui, mas a fotografia de Franz Planet: o contraste entre o preto e o branco de uma Viena do começo do século XX é daquelas coisas que tocam direto nossa alma e o que melhor traduz a essência dessa comovente e melancólica história.

É sobre uma mulher, interpretada por Joan Fontaine (uma das atrizes mais adoráveis do cinema) que, ainda jovem, se apaixona perdidamente por seu vizinho, um jovem e promissor pianista vivido por Louis Jourdan. O amor que ela sente não se explica, é completamente irracional: toda a sua vida gira em torno da possibilidade de conhecê-lo e ser correspondida. O limite que separa sua obsessão de uma doença é tênue, mas felizmente o filme não tem como protagonista uma solteirona patética e amargurada, mas uma bela e tímida jovem que foi tocada irreversivelmente por outra pessoa. O homem, ao contrário, é boêmio, tem experiência na vida, conhece muitas mulheres e, ao menos no começo, tem sua carreira elogiada e reconhecida por toda Viena, ou seja, com ele as coisas dão certo, vêm com mais facilidade. São duas perspectivas de vida completamente diferentes. Ambos, porém, irão, de fato, se relacionar, mas o que isso representa para cada um será absolutamente desigual: ela, apenas mais uma; ele, sempre inatingível, um fantasma a rondar e desnortear toda a existência da pobre mulher.

Ultimamente tenho pensado com frequência naquele grande filme, Two Lovers, de James Gray. De todos os aspectos da obra, o que mais me marcou foi justamente o fato de que quase sempre as famílias são formadas a partir de uma segunda opção. Poucos têm a sorte de serem correspondidos por aqueles que mais gostariam. Mas, de qualquer forma, quantas belas famílias são iniciadas! Isso, porém, não vem ao caso. Joaquim Phoenix acaba no filme com aquela que seria sua segunda opção, sendo ele mesmo a segunda opção de Gwyneth Paltrow. É assim que as coisas são. Com Letter from an unknown woman o tema me veio com muito mais força, talvez por ser ainda mais trágico, deixando bem claro como os relacionamentos são complicados e, mais do que isso, como a falta de sensibilidade com as pessoas que estão ao nosso redor, neste mundo corrompido e superficial, pode nos fazer perder grandes oportunidades na vida.

A atuação de Joan Fontaine é tocante – aliás, este é o filme favorito dela. Sua fragilidade em cena chega a emocionar. Na seqüência em que começa a se soltar diante de Louis Jourdan, na viagem de mentirinha no trem, a rara e natural bondade que sua personagem tem chega a ser palpável. A única coisa que pensamos é que, de forma alguma, ela merece sofrer nessa vida, mesmo sabendo, de antemão, qual será o seu desfecho. Não é exatamente o tipo de mulher que protagonizava os filmes de Max Ophüls, pelo contrário: ela é essencialmente uma mulher de classe média na primeira metade do século XX, se aproximando aí de Joan Bennett em Na teia do destino [The reckless moment, 1949], mas talvez seja a criação mais sensível de toda a carreira do diretor alemão, que tem como uma das características mais notáveis a importância dada à identidade feminina. Enfim, Letter from an unknown woman é uma obra-prima, irrepreensível nos aspectos técnicos e perfeita do começo até o seu inesquecível final.