Retrospectiva 2010: Os dez melhores filmes

Algumas considerações básicas:

1) Não, não, vi todos os filmes lançados em 2010.

2) Sim, tentei ver Tio Boonmee. Parei na metade.

3) Na lista estão apenas filmes produzidos em 2010. É bem verdade que alguns deles só chegaram ao Brasil em 2011 – mas não há nada que podemos fazer em relação a isso. Da mesma forma, ótimos filmes de 2009 para baixo chegaram apenas ano passado no Brasil – estão também fora da lista, infelizmente. Então, vamos a ela.

1º. O Escritor Fantasma/ The Ghost Writer. Direção: Roman Polanski.

Como um senhor de quase 80 anos de idade pode refrescar tanto as nossas vistas e nos fazer lembrar que o cinema, este cinema, não pode morrer? Obrigado, Roman Polanski! Acompanhar seu thriller de proporções internacionais mas especialmente rico nos pequenos detalhes é uma daquelas experiências gratificantes que se pode ter enquanto espectador-voyeur. Não se engane, amigo leitor, este é um dos seus melhores filmes e, talvez, o seu grande trabalho desde O Inquilino [Le Locataire, 1976]. Sua condição de refugiado e as atuais relações geopolíticas são apenas o cenário para uma narrativa absolutamente hitchcockiana com toques noir (o investigador perdido e refém de uma trama maior do que ele esperava, a femme fatale, os figurões aparentemente intocáveis e, claro, o ar cínico presente na atmosfera desde o primeiro minuto).

O Escritor Fantasma ganha força justamente nos momentos aparentemente mais simples (o caminhar de Ewan McGregor pela praia, sua busca por pistas e o encontro hipnotizante com Eli Wallach, sua fuga quando dois capangas o perseguem…) em uma estória absurda mas tão bem arquitetada, tão verdadeiramente cinematográfica, que não nos resta outra opção além a de acreditar no que está acontecendo e nos sentirmos também perseguidos. A descoberta da charada, seguida do longo plano-sequência com o bilhete sendo passado de mão em mão e o posterior desfecho violento, abrupto e visualmente estonteante são desde já momentos clássicos do cinema.

2º. Toy Story 3. Direção: Lee Unkrich.

O público mais beneficiado de Toy Story 3 não foram as crianças de hoje, mas aquelas que tiveram o filme como um dos marcos da infância. Assim como Andy, nós estamos irreversivelmente adentrando na idade adulta e os brinquedos, que eram tão imprescindíveis, já nos parecem uma bobagem do passado. Mas não, Toy Story não nos deixa esquecer o valor daqueles antigos companheiros e, se aqui eles têm vida, é porque não podem mesmo morrer, especialmente nesses tempos tecnológicos e excessivamente virtuais. Uma obra-prima, das melhores coisas que a Disney já produziu.

3º. A Rede Social/ The Social Network. Direção: David Fincher.

Muitos têm dito que nenhum outro diretor soube resumir tão bem as duas últimas décadas como David Fincher. A afirmação não é exagerada. Com Clube da Luta ele apresentou o retrato sarcástico e violento dos trabalhadores neoliberais dos grandes centros urbanos: os personagens do filme, sonâmbulos e viciados em remédios, só vêem sentido para suas vidas quando estão reunidos em clubes clandestinos para baterem uns nos outros – é a tendência reacionária do capitalismo selvagem dos anos 80 e 90. Muitos acusaram o filme de fascista, outros reclamaram da direção pesada e cheia de afetações estéticas. Concordo mais com a segunda consideração, mas a primeira tem lá sua razão de ser. Não tanto, mas tem. De qualquer forma, é um filme importante. Com A Rede Social a recepção foi bem diferente: ele pode não ter os fãs ardorosos de Clube da Luta, mas é o mais bem-sucedido trabalho do diretor e talvez seja até mais coerente como síntese de uma década: esta última, tomada pela internet e redes sociais. A criação do Facebook, a maior delas, é apenas o cenário para mostrar que os jovens, no final das contas, sempre foram os mesmos nas últimas gerações: a busca incessante, insegura e, muitas vezes, vazia pelo sucesso, dentro e fora da universidade, a necessidade de impressionar as garotas e os seus semelhantes – não apenas na vida real, mas agora também no meio virtual. A direção limpa e contida de Fincher prova que o diretor nunca esteve tão maduro. Mas ainda sim eu prefiro aquele de Zodíaco, que soube equilibrar bem seu lado mais rebelde com o conservador e atingiu um patamar que até agora não foi superado dentro de sua carreira.

4º. Tropa de Elite 2. Direção: José Padilha.

Muito superior ao seu precedente, Tropa de Elite 2 é o melhor filme brasileiro desde Cidade de Deus. O trabalho de José Padilha atinge várias camadas: brilhante como denúncia do grande esquema de tráfico de drogas e corrupção no Rio de Janeiro – envolvendo policiais, políticos, empresários e até mesmo apresentadores de televisão –, eletrizante como filme policial e envolvente como estudo de personagens – aqui, Capitão Nascimento, o mito, fica ainda mais interessante, com Wagner Moura a atingir um nível de excelência além do qual será muito difícil para ele superar. O elenco está formidável e a direção, mesmo por vezes tremida demais, não decepciona. Importante como catalisador de discussões na sociedade brasileira, Tropa de Elite 2 provou ser muito mais do que isso, não apenas por ser um grande filme, mas também por ter batido todos os recordes de bilheteria no país até então. Não há como negar: desde Avatar, nenhum filme em todo o planeta foi tão bem-sucedido, proporcionalmente, como este aqui.

5º. Bravura Indômita/ True Grit. Direção: Joel e Ethan Coen.

Bravura indômita é o mais recente capítulo da jornada pessoal dos Irmãos Coen pelos gêneros do cinema americano. Tão fora de moda e nostálgico quanto O homem que não estava lá, noir de 2002, o filme é mais uma evidência de que a dupla não se acomoda em aperfeiçoar o seu estilo, assim como deixa claro que os dois, na Hollywood atual, estão entre os mais ousados e influentes realizadores. Poucos conseguiriam financiamento tão grande para um faroeste, mas a empreitada, como mostraram os números de bilheteria, teve êxito comercial – e não apenas isso, já que o filme foi bem recebido pela crítica e recebeu muitas indicações ao Oscar. Quem sabe o sucesso de Bravura Indômita sirva como impulso para que novos exemplares deste gênero tão extraordinário e que tanta falta faz para quem gosta de cinema sejam lançados. É pouco provável que aconteça, mas não custa nada sonhar.

6º. Enrolados/ Tangled. Direção: Byron Howard e Nathan Greno.

A passagem para a vida adulta e o inevitável conflito com o lado obscuro da humanidade são os temas centrais de Enrolados, tratado com uma sensibilidade e bom humor que pouco se vê atualmente. É um filme sobre a busca pelos sonhos – a cena da taverna, com os brutamontes cantando sobre o que queriam ser na vida é uma das melhores do ano – e como às vezes precisamos encarar o perigo para conquistarmos a liberdade, mesmo que momentaneamente. As crianças devem ter adorado todas aquelas cenas de ação divertidíssimas e engraçadas, mas, como todo grande filme da Disney, é bem provável que Enrolados emocione mais os adultos. E, antes que perguntem, não, eu não vi a versão com dublagem de Luciano Hulk.

7º. O Discurso do Rei/ The King´s Speech. Direção: Tom Hooper.

Não é apenas “um filme de atores”. O discurso do rei tem tudo no seu lugar: o elenco, a direção, fotografia, trilha sonora. Como dizem, talvez seja certinho demais, ainda que a direção de Tom Hooper vez ou outra tenha, por bem ou por mal, tentado chamar a atenção para si, acertando na mesmo proporção com que errou – mas é uma obra que entrega o que prometeu e um pouco mais. No geral, para mim, é um grande filme. Principalmente por causa da história (não importa aqui se ela é ou não fiel ao que realmente se sucedeu), tão bela e emocionante como as melhores fábulas infantis.

8º. Reino Animal/ Animal Kingdom. Direção: David Michôd.

Reino Animal é a surpresa de 2010. A produção australiana conta a estória de um jovem de 17 anos que, ao perder a mãe por overdose, acaba tendo que viver na casa da avó: uma verdadeira matriarca que, com seus quatro filhos, forma uma quadrilha na Melbourne dos anos 80. Nesta época, os policiais viviam literalmente em guerra com os criminosos e matavam antes de prender (o nível de assassinatos era sem precedentes) – a retaliação das gangues era inevitável. O protagonista do filme se encontra nesse meio e não tem como escapar. Por vezes, deve fazer parte do esquema. Mas também é peça-chave na investigação liderada por Guy Pearce para levar à prisão seus familiares: ou seja, ele está entre fogo cruzado e precisa achar um meio de se livrar de tanta pressão. O título diz tudo. Repleto de grandes cenas, com um elenco competente e um dos melhores roteiros do ano, Reino Animal merece ser visto.

9º. O Mágico/ L´illusionniste. Direção: Sylvain Chomet.

Jacques Tati faleceu há quase trinta anos. Mas, confesso, este O Mágico é o meu primeiro contato com o mundo do diretor, ator e roteirista. Falha grave, mas um começo extraordinário. É bem provável que nenhum outro filme desta lista tenha imagens tão deslumbrantes ou uma trilha sonora tão emocionante. É claro que a grande referência é o cinema de Tati – em uma cena, inclusive, o personagem animado entra em uma sala em que está sendo exibido um filme com o Sr. Hulot – mas como me faltam argumentos para seguir em frente nessa comparação, posso afirmar apenas que há ecos claros de John Ford, Chaplin e Fellini neste trabalho de Sylvain Chomet. Aqui, presenciamos aquela linha histórica quase que exata que dividiu os homens do entretenimento mais artesanais, como os mágicos e palhaços, e os novos showmen, como os grupos de rock and roll que deixavam as meninas loucas – aqueles, coitados, já não impressionavam e precisavam arranjar sempre algum bico para sobreviver. Há muita melancolia e pessimismo em O Mágico – bem mais do que eu esperava, posso dizer. Ainda que falte algo para tornar o filme realmente próximo do espectador, os seus detalhes atingem uma força e beleza impressionantes, especialmente no relacionamento entre o ilusionista decadente – que mesmo com os infortúnios da vida não perde a postura – e uma jovenzinha irlandesa que foge de sua terra para, enfim, conhecer o mundo de seus sonhos.

10º. Cisne Negro/ Black Swan. Direção: Darren Aronosfky.

Todos que disseram ser Cisne Negro uma obra rasteira e das mais óbvias têm sua parcela de razão. Ora, é um filme de Darren Aronosfky! Não há como negar: quando o diretor tenta nos assuntar falha terrivelmente. A cena do metrô, com o velho taradão, é patética. Até mesmo o discurso-chave (“Vá para o seu quarto se tocar: só assim ira libertar seu cisne negro!”) é uma bobagem só. Mas tudo é uma questão de expectativa: quem esperava um filme profundo e psicologicamente desafiador, quebrou a cara; quem já sabia do terreno que estava pisando antes do filme começar e não esperava outra coisa além de um thriller instigante, talvez tenha se dado bem. Foi o meu caso – pelo menos até uma revisão futura. Considero Aronosfky medíocre: afirmar que este é o seu melhor filme, portanto, não quer dizer grande coisa. Porém, os últimos momentos, a da transformação de Nina, mesmo que não valorize o balé em planos amplos, de uma forma que nem seria necessário tanto treinamento para a encarnação de Natalie Portman, é um dos mais impressionantes de 2010 – o rosto da atriz, imerso em outra dimensão psicológica, seus olhos assustadores e completamente vermelhos deixam claro qual era o foco do diretor.

O injustiçado do ano:

Levaram a sério demais este que é o segundo filme mais positivamente americano de 2010 – depois de True Grit, claro.

O supervalorizado do ano:

A câmera de Christopher Nolan deve pesar uma tonelada. Além disso, o filme não passa de uma metodologia das mais irritantes. Nunca gostei de matemática na minha vida, então por que haveria de gostar desse probleminha esquematizado?

Para concluir: dêem o Oscar para David Fincher e A Rede Social!

7 comentários

  1. caiolefou disse:

    Algum op?

    O injustiçado foi Os Mercenários, haha.

    1. Obra-prima mesmo acho que só os dois primeiros. Mas foi um ano muito bom, viu… Nem vi Os Mercenários, mas você é suspeito também, né?

  2. Pharme952 disse:

    Hello! gkabfka interesting gkabfka site!

  3. Gostei dessa sua idéia de adiar a divulgação dos melhores do ano pra, não só casar com o Oscar, mas alinhar com o ano de estréia lá fora (que, no final das contas, é o que fica pra posteridade).

    Sobre a lista, dentro do cinema americano acho os três primeiros lugares justíssimos. Um absurdo Fincher não ter ganho direção (filme até vai, mas direção?!) e absurdo maior ainda o Polanski não ter sido nem indicado.

    E você não entendeu Tio Boonmee. cafe1 /Allan

    Abs…

    1. Pô, eu também já tinha aceitado o Oscar de filme pra O Discurso do Rei. Mas direção?! Fiquei realmente puto. O Polanski e o seu filme foram ignorados por politicagem! E o Tio Boonmee… bom, eu até gostei do começo, achei no geral bonito, mas meio patético; depois que o filme começou a gastar tempo com banalidades e ficou poético demais, me encheu o saco e eu fiquei com sono. Desisti e fui ver O Mágico, aproveitei bem mais. Mas depois eu tento ver por inteiro.

  4. Leandro Caraça disse:

    Outro aqui também curtiu “O Turista”.

    1. Opa, pensei que estivesse sozinho no barco. Se o final fosse diferente, provavelmente teríamos uma obra-prima ou quase isso…

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