Crime e Paixão (Robert Aldrich, 1975)

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Crime e paixão não é exatamente aquilo que o seu belo pôster parece indicar. Isso não quer dizer que o filme seja decepcionante, pelo contrário, é um ótimo trabalho do grande Robert Aldrich. Mas é um filme duro, melancólico, extremamente pessimista, e não um divertido e sexy filme policial, como parece ter sido vendido pela publicidade em sua época.

Desde a sequência inicial, em que um grupo de crianças encontra, durante um passeio escolar, o corpo de uma jovem morta e estendida na praia, o filme já deixa claro que este mundo não é o mundo da inocência das crianças. O mundo de Crime e paixão é o mundo dos adultos, quase todos corrompidos e sem muitas esperanças na vida além da simples sobrevivência com alguma dignidade.

Policiais que torturam para obter provas, chefes de polícia que preferem não investigar evidências que liguem figurões da sociedade ou cujas vítimas sejam uns “nobodies”, advogados criminosos, redes de prostituição de luxo… é essa parte da realidade representada por um Robert Aldrich mais pessimista do que nunca. E o diretor americano parece já nem querer enganar o espectador com uma aventura policial ou desvendamento de algum crime misterioso: mostra uma trama em si só propositalmente frustrante, uma simples representação da realidade nas grandes cidades.

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Todo esse cansaço e melancolia podem ser percebidos pelo protagonista do filme, um duro, forte, porém exausto Burt Reynolds. É o típico policial que quase não parece esboçar uma reação frente à podridão do seu meio. Se já foi idealista, não é mais. Tudo o que ele quer é escapar, mudar-se para Itália com sua namorada, uma prostituta de luxo interpretada por Catherine Deneuve, em seu primeiro e último papel em Hollywood.

Uma pequena nota sobre a participação da musa neste filme: para mim, sua personagem poderia ser melhor trabalhada. Ela começa e termina quase da mesma forma: uma prostituta em busca de amor. Infelizmente, talvez por se tratar de um papel de Catherine Deneuve, tive a impressão de que ela foi cercada por um certo pudor incomum com o restante dos personagens. Isso acabou reduzindo a imoralidade do seu mundo particular, bem como sua busca por uma nova vida fora dele. Mas vale a presença pela sua beleza fora de série, especialmente quando contrastada pela rudeza do canastrão Reynolds.

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O grande mérito de Crime e paixão se encontra nos seus personagens. O policial negro (Paul Winfield) que não esconde seu racismo por albinos. O pai da jovem morta que tenta descobrir a causa da morte e se vingar, diante do pouco interesse da polícia no caso (o fordiano Ben Johnson, na melhor atuação do filme). A sua esposa adúltera (Eileen Brennan). O chefe de polícia (interpretado pelo grande Ernest Borgnine). Como podemos facilmente perceber, um elenco talentoso e que não decepciona. A trilha sonora de Frank De Vol (parceiro habitual de Aldrich) também é um mérito à parte.

Crime e paixão não é um dos filmes mais conhecidos de Robert Aldrich, mas certamente é um dos mais representativos do diretor, especialmente se for comparado com sua obra-prima máxima, A morte num beijo (Kiss me deadly, 1955), com a qual guarda semelhanças. É o típico filme que só poderia ter sido produzido nos anos 70, de um pessimismo impressionante, cujos “heróis” tentam fazer justiça pelas vias oblíquas. Realiza uma crítica social, porém ser perder o estilo visual tão fundamental nesta arte de imagens que é o cinema.