Jejum de Amor (1940)

Retirado do site 50 anos de Filmes.

Jejum de Amor/His Girl Friday, de Howard Hawks, de 1939, é uma maravilha, uma absoluta delícia. É um dos melhores filmes que já foram feitos sobre jornalismo e jornalistas – uma tremenda gozação, uma comédia engraçadíssima, hilariante, tanto para jornalistas quanto para seres humanos.

Há décadas brinco que existem dois tipos de bípedes vestidos – os jornalistas e os seres humanos. Ao rever Jejum de Amoragora, em 2009, vi que essa piada de diferenciar jornalistas e seres humanos está no filme. Foi de lá, então, que tirei essa idéia; juro que faço a brincadeira há tanto tempo que tinha me esquecido de sua origem.

Bem. É preciso antes de mais nada registrar que a peça de teatro The Front PageA Primeira Página, escrita nos anos 20 por Ben Hecht e Charles MacArthur – eles próprios ex-jornalistas – deu origem a quatro filmes. Vou falar aqui sobre dois deles.

A peça estreou no Times Square Theater no dia 14 de agosto de 1929 – dois meses antes do crash da Bolsa de Nova York, que levou o mundo à Grande Depressão dos anos 30, a pior crise econômica do século XX. Ficaria em cartaz por 276 apresentações.

Uma breve sinopse:

Walter Burns é o editor de um jornal de Chicago, um desses jornais sensacionalistas, com farto noticiário policial. Seu principal repórter, sua estrela, chama-se Hildy Johnson, e, quando a ação começa, Hildy está anunciando ao chefe que vai se casar, abandonar o jornalismo e levar uma vida melhor, mais calma, mais tranqüila. Exatamente naquele dia, está se desenrolando um grande drama policial na cidade: é a véspera da execução de um preso chamado Earl Williams, acusado de ter matado um policial. A execução tem motivação política: o prefeito quer usar o caso para garantir alguns milhares de votos na eleição que acontecerá apenas alguns dias depois. O editor Walter Burns usará todos os truques possíveis e imagináveis para fazer com que seu melhor repórter continue cobrindo o caso e adie o casamento – ou, se possível, que esqueça de vez essa história de casamento e vida mais tranqüila.

A primeira versão para o cinema, com o mesmo título da peça, The Front Page, foi feita em 1931; a produção era do milionário Howard Hughes, em uma de suas aventuras pelo cinema; o diretor foi Lewis Milestone. O editor do jornal, Walter Burns, foi interpretado por Adolphe Menjou, e o repórter Hildy Johnson, por Pat O’Brien.

Jejum de Amor/His Girl Friday, de 1939, foi a segunda versão para o cinema. O grande Billy Wilder faria a terceira versão, em 1974, com Walter Mathau como o editor e Jack Lemmon como o repórter; uma jovem e linda Susan Sarandon era a noiva do repórter. Em 1988, viria a quarta versão, Switching Channels, no Brasil Troca de Maridos; o diretor era Ted Kotcheff – uma danada de uma queda de status para uma história que havia sido filmada pelos craques de primeiro time Howard Hawks e Billy Wilder. Nessa quarta versão, quiseram dar uma atualizada, e então o repórter do jornal já não é mais repórter nem de jornal, é âncora de TV, e o chefe dela é o patrão; a dupla era interpretada por Kathleen Turner e Burt Reynolds.

Hildy Hildebrant vira Hildy Hildelgaard – uma delícia de idéia

Vou falar da segunda versão e, depois, da terceira.

A grande sacada, o grande diferencial do filme de 1939 foi que Hildy Johnson é uma mulher – e foi casada com o editor Walter Burns.

A idéia de transformar Hildebrant em Hildelgaard – dois nomes cujo apelido é Hildy – foi do diretor Howard Hawks (1896-1977), àquela altura já famoso, respeitado – Hawks é um dos grandes, dos maiores diretores do cinema americano.

É uma idéia genial. Convenhamos: fica muito melhor a história. O resto todo, que é ótimo, se mantém – mas acrescenta-se a guerra dos sexos, acrescenta-se um elemento fundamental, capaz de criar as situações mais hilárias possíveis.

Consta que Hawks pediu permissão a Ben Hecht para fazer a alteração; o autor deu a autorização, e a Columbia comprou de Howard Hughes os direitos. Cary Grant foi escolhido para o papel do editor Walter Burns, sujeito sem qualquer escrúpulo, um autêntico pilantra, um safado, capaz de tudo para conseguir uma boa reportagem, uma boa primeira página, inteiramente desprovido de qualquer apego à ética – e, no entanto, danado de charmoso. Ao vermos o filme, a impressão que se tem é de que o papel foi escrito para Cary Grant. Não haveria melhor ator para aquilo.

Para o papel de Hildy Johnson, a repórter de texto bom, rápida, boa apuradora, esperta, ágil, a escolha foi mais complicada. Consta que a primeira atriz escolhida para fazer Hildy foi Jean Arthur, então uma das grandes estrelas da Columbia, com um notável talento para a comédia. Jean Arthur trabalhou com o mestre Frank Capra em Do Mundo Nada Se leva/You Can’t Take it with You, de 1938, e A Mulher Faz o Homem/Mr. Smith Goes to Washington, de 1939, com Billy Wilder (A Mundana/A Foreign Affair, de 1948), com George Stevens (E a Vida Continua/The Talk of the Town, de 1942, e Original Pecado/The More the Merrier, de 1943). Segundo o iMDB, Jean Arthur e o diretor Howard Hawks haviam se estranhado durante as filmagens deParaíso Infernal/Only Angels Have Wings, e por isso ela recusou o papel.

Vários outros nomes foram considerados: Katharine Hepburn, Carole Lombard, Ginger Rogers, Claudette Colbert, Irene Dunne, Margaret Sullavan. Acabou ficando para Rosalind Russell, que foi emprestada à Columbia pela MGM para fazer o filme.

Sorte do filme. Embora os nomes cogitados sejam todos de boas atrizes, hoje não dá para imaginar nenhuma outra pessoa no papel – Rosalind Russell está perfeita como Hildy Johnson. O filme é cheio de coisas boas, tem diversas qualidades, mas talvez a principal delas sejam exatamente os dois atores centrais, Cary Grant e Rosalind Russell. Eles estão brilhantes, e absolutamente impagáveis, hilariantes.

Talvez o filme com mais palavras por segundo de toda a história

Hawks e o roteirista Charles Lederer (ele já havia sido o autor dos diálogos adicionais da primeira versão) criaram um filme em que se fala demais, e fala-se depressa. É, muito possivelmente, o filme com mais palavras por segundo de toda a história. O editor Walter-Cary Grant e a repórter Hildy-Rosalind Russell despejam um Niágara de palavras, muitas vezes ao mesmo tempo, um falando em cima da voz do outro. E que diálogos fantásticos.

Consta também, nas muitas lendas que cercam esse filme delicioso, que o diretor Hawks incentivou seus atores a improvisar em algumas das falas. E que Rosalind achou que não tinha falas tão boas quanto Cary Grant, o que a levou a contratar um escritor para bolar boas frases para seus diálogos.

Alguns pequenos exemplos:

Hildy, na primeira seqüência do filme, na sala de Walter para informá-lo de que vai se casar e está deixando o jornalismo: – “Tudo que eu sei é que em vez de duas semanas em Atlantic City com meu noivo (na lua de mel), passei duas semanas numa mina de carvão com John Krupsky. Você não nega isso, não é, Walter?”

Walter: – “Negar? Tenho orgulho disso. Batemos o país inteiro com aquela matéria.”

Hildy: – “É, acho que sim. Mas não foi para isso que eu me casei!”

Na mesma conversa (o diálogo é longo; Hildy quer virar um ser humano, provar os prazeres da vida tranqüila, e Walter tenta de todas as formas seduzi-la falando dos prazeres do jornalismo – e da convivência com ele, Walter):

Walter: – “Gostaria que você não tivesse feito aquilo, Hildy.”

Hildy: – “Aquilo o quê?”

Walter: – “Divorciado de mim. Faz o sujeito perder toda a fé em si próprio. Dá a ele um… quase dá a ele a sensação de que ele não é querido.”

Hildy: – “Escuta aqui, júnior… é exatamente para isso que o divórcio existe.”

Mais tarde:

Walter: – “O que você acha que eu sou? Um trapaceiro?

Hildy: – “Sim.”

Mais tarde, ela na sala de imprensa da polícia, falando com ele ao telefone:

Hildy: – “Escute aqui, seu chimpanzé traidor. Não vai ter nenhuma entrevista e não vai ter nenhuma reportagem. Eu não cobriria o incêndio de Roma para você nem se ele estivesse começando na minha frente. Se eu vir você de novo, vou direto em cima de você e vou martelar a sua cabeça de macaco até que ela toque como um sino chinês.”

Tem até piadas internas, entre eles mesmos. Lá pelas tantas, Walter se refere a uma passagem terrível da sua vida, em que foi prejudicado por um sujeito chamado Archie Leach. Archibald Leach é o nome que os pais ingleses de Cary Grant deram a ele na pia batismal.

Numa outra passagem, Walter pede a uma prostituta que procure por Bruce Baldwin, o noivo de Hildy, interpretado pelo ator Ralph Bellamy, um galã da época. A mulher pergunta como ele é, e Walter responde: “Ele parece com aquele cara do cinema, Ralph Bellamy”.

As piadas começam antes mesmo que a gente veja a primeira tomada do filme. Logo após os créditos iniciais, há o seguinte letreiro, de uma ironia corrosiva:

“Tudo aconteceu na ‘idade das trevas’ do jogo do jornalismo – quando para um repórter ‘conseguir aquela matéria’ tudo se justificava, menos assassinato. O que você vai ver neste filme não tem nenhuma semelhança com os homens e mulheres da imprensa hoje em dia. Pronto? Era uma vez…”

“Hitler? Ponha na página de humor”

Há piadas para todos os gostos. Depois que a trama esquenta de vez, e o preso condenado à morte consegue fugir, indo parar na própria sala de imprensa, onde Hildy o esconde numa mesa-escrivaninha, Walter deixa a redação e também vai para o local em que os jornalistas trabalham dentro da delegacia. É excelente a gozação com o senso jornalístico de Walter – sua capacidade de hierarquizar as notícias não de acordo com sua importância real, e sim com a capacidade de atrair atenção das pessoas comuns nas ruas, para vender mais jornal. Pelo telefone, Walter vai dando as ordens para mexer na primeira página, tirar dali tudo o que não interessa tanto, para abrir espaço para o caso local do assassino condenado à morte. Manda tirar as notícias sobre “a guerra na Europa”, botar numa página interna. “A guerra na Europa” – o que interessava para o leitor comum, segundo os mandamentos do jornalismo sensacionalista, a guerra na Europa? O filme é de 1939 – a Segunda Guerra Mundial ainda não havia batido no pescoço do americano comum. “Hitler? Ponha na página de humor”, berra Walter ao telefone.

O iMDB diz que a coisa de Hildy e Walter esconderem Earl Williams numa mesa-escrivaninha se baseou num incidente real. Emile Gauvreau, o editor de um antigo jornal nova-iorquino, The New York Evening Graphic, de fato escondeu um assassino foragido numa sala do jornal; entrevistou o camarada, escreveu a matéria e esperou até que o jornal chegasse às ruas antes de entregá-lo à polícia.

Que história.

Um clássico cada vez mais clássico

Concluído em novembro de 1939, o filme estreou nos cinemas americanos em janeiro de 1940. Foi um grande sucesso de público, embora não tenha chegado aos cinco primeiros lugares da bilheteria naquele ano, em que entre os campeões estavam dois filmes de Walt Disney, PinocchioFantasia, e Rebecca, a Mulher Inesquecível, de Hitchcock. Não teve qualquer indicação ao Oscar, mas é desses clássicos que ficam para sempre e vão conquistando mais e mais admiradores ao longo das décadas.

Está, por exemplo, entre as dez comédias escolhidas para figurar no livro Hollywood Picks the Classics. O livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer define: “Grant e Russell entram em duelos verbais de uma velocidade estonteante em uma trama que chega às raias da caricatura, com um grande leque de personagens de redação de jornal – mascadores de chicletes, fumantes inveterados e jogadores de pôquer – fazendo um cínico coro para os dois. Teatral e estiloso, Jejum de Amor é incomparável em seu timing cômico e falta de papas na língua.”

O livro 501 Must-See Movies também realça, é claro, a velocidade dos duelos verbais e a altura das vozes, para então dar uma sugestão ao espectador: “Então, respire fundo antes de começar a ver His Girl Friday; você não terá outra chance até o fim do filme”.

É de fato uma maravilha. É daqueles filmes que não perdem com o passar do tempo – ao contrário, parecem melhores a cada nova revisão.

Os jornalistas, esses seres profundamente apaixonados por seu próprio umbigo

Depois que fiz a anotação acima, me ocorreu que ficou faltando alguma coisa – uma avaliação assim um tanto a sério sobre a forma como o filme retrata os jornalistas.

Acho, basicamente, que o filme faz um bom retrato desse estranho tipo de ser não-humano que eu mesmo fui, durante mais de 35 anos, até conseguir juntar a grana necessária para finalmente cascar fora. Um bom retrato, porque não é maniqueísta, não é uma coisa de uma cara só, um jeito só, uma nota só.

Os jornalistas – é o que mostra o filme, e sabemos que ele está falando especificamente de profissionais de tablóide popular, mas dá para generalizar para todos, ou a imensa maioria – são umas figuras egocêntricas, dadas a uma profunda admiração pelo seu próprio umbigo, pelo som da sua própria voz, pelas frases que criam – e que acham geniais, mesmo sendo muitas vezes pouco mais que imbecis. São capazes de ser cruéis, filhos da puta, de ferrar os outros para conseguir o que querem. São às vezes preguiçosos, fazem seu trabalho apressadamente e copiam o que o colega-competidor do lado conseguiu. Como vêem seus nominhos publicados em letra de forma, preto no branco, e as pessoas comuns ficam conhecendo seus nominhos, e como convivem com pessoas importantes – políticos, artistas, desportistas, personalidades proeminentes em suas áreas –, passam a achar que eles próprios têm alguma importância. Não têm consideração pela ética – sua única ética é vender mais jornal, ou fazer um trabalho que os colegas invejem. Ao mesmo tempo, têm lá seu charme. Têm senso de humor – e, apesar do egão inflado, são capazes de rir de si mesmos. A profissão que escolheram, muitas vezes porque não tinham talento ou seriedade alguma para fazer qualquer outra coisa na vida, é ao mesmo tempo muitas vezes aviltante, calhorda, mas também aventureira, aventuresca; falta rotina, sobram surpresas – exatamente o contrário de outras profissões às vezes mais necessárias, tipo a dos vendedores de seguros, como o pobre Bruce Baldwin, o noivo de Hildy. Tadinhos dos vendedores de seguro: o filme arrasa com eles. São quadrados, caretas, previsíveis, bobos, sem imaginação – o contrário dos jornalistas. Embora os jornalistas tenham também 200 milhões de defeitos.

De resto, como observou aqui ao lado a Mary, o tipo de jornalista que o filme retrata – embora ele tenha sido feito em 1939, e brinque dizendo que a história se passa num passado muito longínquo – tem características que permanecem quase inalteradas, tantas décadas e tantas revoluções tecnológicas depois. São camaradas apaixonados pelo que fazem, são viciados naquele trabalho – jornalismo é igual cachaça, dirão 99% dos jornalistas, ou pelo menos 99% dos jornalistas com mais de 30, 35 anos de idade. A adrenalina que a profissão dá vicia – jamais vou esquecer o que ouvi de um velho profissional de imprensa, da saudade que ele sentia do nervosismo do fechamento de jornal.

Não precisa, mas dou aqui meu testemunho pessoal, intransferível como dor de dente: é verdade, jornalismo vicia – mas dá para curar do vício. E a vida depois do vício é muito melhor. Eu, que sou hoje um velho ex-profissional da imprensa, posso garantir: não tenho saudade alguma do nervosismo do fechamento.

Bem, talvez Walter e Hildy e o meu amigo velho profissional da imprensa saudoso da adrenalina sejam melhores jornalistas do que eu fui. Talvez – ou certamente.

El Dorado (Howard Hawks, 1966)

Howard Hawks, um dos grandes mestres do cinema americano, e o faroeste, considerado, por sua vez, o “cinema americano por excelência”, nasceram praticamente no mesmo período – lá no final do século 19 – e atravessaram, juntos, os ricos e diversificados caminhos que a indústria e a arte cinematográficas traçaram, desde as evoluções da técnica até os aprofundamentos temáticos. Portanto, cresceram e envelheceram juntos – porque, se há um gênero que apresentou um ciclo de vida no cinema, este gênero chama-se western. Vez ou outra dois ou três representantes são lançados por aí, quase sempre em refilmagens, mas o gênero, essencialmente falando, considerando sua importância e seu apelo no cinema atual, ou morreu ou está hibernando até que dias melhores se aproximem.

Estudar as trajetórias dos grandes diretores implica, desta forma, comparar seus filmes com o passar dos anos e observar as mudanças, os novos elementos adicionados, os focos apresentados, as escolhas nos temas e também perceber as releituras – estas podem ser as que mais resumem a subjetividade do realizador, são as que melhor conectam determinados valores ao seu modo de se fazer cinema. E na relação Hawks/Western podemos perceber nitidamente a diferença entre um Red River [Rio Vermelho, 1948] e um Rio Bravo [Onde começa o inferno, 1959]. O primeiro trazia a figura quase mitológica do cowboy sob a grandeza das paisagens do Velho Oeste, fazendo o contraponto entre o agente da ação (o desbravador, que ampliava as fronteiras do território americano para, assim, encontrar o seu lugar) e os monumentos áridos dos caminhos a serem percorridos, indicando que as tarefas deveriam ser árduas, solitárias e regidas pela força bruta – a bondade humana, porém, representava o equilíbrio entre a brutalidade e a ambição, como no momento em que o personagem de John Wayne, tomado de ódio pela desobediência de seu filho (interpretado por Montgomery Clift) na direção a ser tomada pelo rebanho de gado até o destino final, reconhece o seu erro e pede perdão. Rio Bravo, no entanto, privilegia a relação mais íntima entre os personagens, estes muito mais imperfeitos e cômicos, nos momentos de tensão – ou mais do que isso, nos momentos que podem separar a vida da morte: sob um inimigo aparentemente mais poderoso, os personagens principais de Rio Bravo (o xerife e três ajudantes: um bêbado, um velho manco e um jovem pistoleiro) estão unidos, e com isso se fortalecem, através da coragem e da amizade, esta sim a principal virtude exaltada na película.

Entre esses dois filmes, El Dorado se aproxima muito mais do segundo – mais do que isso, é uma releitura, um aprofundamento, de tudo aquilo levado às telas pelo faroeste antecessor. Sete anos separam um do outro, mas não é possível notar um envelhecimento, um desgaste capaz de desviar a magia do cinema hawksiano, especialmente do seu tipo de faroeste. Assim, El Dorado pode ser visto como o próprio Rio Bravo que retorna para ampliar e para repetir as mesmas fórmulas que deram tão certo anos atrás, para aprofundar os valores que lhe são caros, como a amizade e a determinação para fazer valer a Justiça contra todas as adversidades. Os personagens são também praticamente os mesmos, só que são ainda mais imperfeitos ou, por assim dizendo, muito mais reais: John Wayne é um pistoleiro envelhecido que, apesar de manter a excelente pontaria dos velhos tempos, sofre com paralisias devido a uma bala alojada próximo à sua coluna; Robert Mitchum é o xerife, também envelhecido e fora de forma, que sofre com as bebedeiras após uma desilusão amorosa; Arthur Hunnicutt é o velho zelador da delegacia; James Caan é, por sua vez, o jovem, inexperiente mas corajoso justiceiro que não sabe atirar – estarão todos unidos contra o estigma do perigo representado por um violento latifundiário e sua gangue.

A repetição – e aqui essa palavra está completamente isenta de qualquer demérito – não é, portanto, por acaso. Como disse o próprio Hawks, “Decido realizar um filme quando o assunto me interessa: pode ser sobre corridas de automóveis ou sobre aviação, um western ou uma comédia – mas o melhor drama é aquele do homem em perigo. Não há ação a menos que haja perigo; e se se chega à ação real, da mesma forma há perigo: ficar vivo ou morrer, este é o maior drama que nós temos”. E o confronto entre vida e morte não poderia fazer mais sentido: do realizador até os personagens principais da narrativa (o xerife e seu ajudante), a velhice estava sendo mais do que nunca encarada – a percepção, quase cômica, dessa realidade e de suas conseqüentes situações não poderia ser mais interessante e sensível; é como se as coisas que realmente importam fossem abraçadas e carregadas até o fim inevitável, como se essa desconstrução dos mitos apresentasse o faroeste como ele realmente é no final das contas: simples e grandioso.